Quem trata os grupos evangélicos como uma massa homogênea, previsível e automática nas urnas vai cometer um grande erro na eleição de 2026. Erro estratégico, ético e talvez até preconceituoso. Em Mato Grosso, onde a direita domina o cenário com folga, a presença evangélica tem forma, densidade e nuances.
Ao contrário da caricatura do “voto de rebanho”, o eleitor evangélico em Mato Grosso tem memória, argumentos e pragmatismo. Ele tende ao conservadorismo, sim. Mas isso não o prende a candidatos de extrema-direita ou a projetos de radicalismo teológico.
O que observo nesses públicos, e estamos falando de uma série de segmentos muito diferentes dentro do mesmo guarda-chuva “evangélico”, é uma disposição estratégica: votar em quem defende a liberdade de culto, os valores familiares e as pautas de estabilidade institucional, mas que também entrega resultado em saúde, educação e segurança. É fé com ficha técnica.
Não tirei essas conclusões só da observação ou da imaginação e posso provar.
Pela primeira vez desde os anos 1960, o crescimento de evangélicos no país desacelera. A projeção do IBGE de que o Brasil seria de maioria evangélica, antes marcada para 2032, foi adiada para 2049.
Qual a causa dessa desaceleração? A insatisfação com o extremismo político nos templos de fé. E isso incômodo é ainda maior entre os jovens. O envolvimento excessivo de algumas lideranças religiosas com pautas extremistas afastam novos féis. Lide com essa realidade.
O Censo 2022 mostrou que 30% da população mato-grossense se declara evangélica, aproximadamente 927 mil pessoas. Um crescimento expressivo em relação à década anterior, que contrasta com a lenta queda dos católicos, ainda maioria com 56,7%. Rondolândia, por exemplo, tem quase metade da população evangélica (45,8%). Já Poconé, tem 14,5%. Isso mostra que a geografia da fé exige leitura fina: é uma força capilar, mas com variações de intensidade. E mais, é uma força organizada, com influência social real.
Outro dado que deve ser visto com atenção é o surgimento de novos polos espirituais como as religiões de matriz africana, que cresceram 566% em Mato Grosso desde 2010. A fé segue viva e se ramifica. E isso exige inteligência na elaboração de narrativas políticas que se comuniquem com todos os públicos ou apenas alguns.
Os políticos que entenderem esse novo cenário vão parar de tentar “converter o eleitorado” e começar a dialogar com ele. Não se trata de suavizar os valores evangélicos. Trata-se de reconhecer que há ali um público politizado, atento, cansado de panfletos e sedento por coerência.
Para cargos majoritários, o discurso precisa ser simbólico, mas técnico, conceitual. O eleitor evangélico se comove com um slogan, mas vota em quem tem tração institucional.
Para cargos proporcionais, a equação é ainda mais tensa: ou o candidato é reconhecido como parte da comunidade de fé, ou precisa demonstrar um respeito legítimo pela pauta evangélica sem parecer oportunista e alheio.
O erro mais comum será supor que, em um estado majoritariamente conservador como MT, basta acenar para o púlpito para conquistar o voto. Não basta. Porque o eleitor evangélico não é cordeiro, é construtor. E se você quer esse voto, comece tratando ele como inteligência coletiva. Não como estatística de campanha.
Quem ainda trata evangélico como “bloco de votos” vai tropeçar no próprio desprezo narrativo. Em 2026, vence quem souber pregar para cada público, mas com projeto na outra mão.
Andhressa Barboza é jornalista e cientista social.